Eu tenho dificuldades
em ouvir, e passei um ano me relacionando com uma mulher que fala pouco. Nesses
moldes tinha tudo para terminar, só não era claro para mim, que não sei ler os
sinais do mundo real ao meu redor. Mas e você, se dedica a decifrar os
conflitos ao seu redor? Sabe o que motiva, quais são os medos, e de que forma
foram criados os sonhos das pessoas que mais ama? Sabe seus traços e costumes que mais
incomodam? Compreende o seu papel na vida delas? O que elas esperam receber de
você?
Esses 'acordos'
geralmente não são verbais, cada um imagina algo baseado na sua história. Não
sei a resposta de algumas dessas perguntas para as pessoas que mais me
relaciono. Hoje decepcionei-me com essa reflexão. Mas isso tudo começa quando
ainda somos pequenos.
Quando um bebê chora
a mãe não sabe se é fome, frio ou fralda borrada. Ao aprender a falar pedimos
comida, conforto ou higiene. O simples fato de dizer o que se quer torna a vida
melhor. Na infância também somos apaixonados e curiosos ao perguntar "por
que", queremos entender o motivo. A criança chega com os conflitos, e se
não prestarmos atenção, não conseguimos argumentar de forma a dar sentido a
informação passada para elas. O primeiro passo na conversa eficaz é fazer
sentido para o outro. Com o passar do tempo percebemos que nem sempre é simples
assim. São tantos "porquês" não respondidos na nossa jornada que
perdemos boa parte da curiosidade.
A linguagem tem outro
problema, não passa ao mundo a informação precisa, seca e objetiva. Por
exemplo: alegria para minha vizinha é comer chocolate, para mim é viajar. Se a
convidasse para ser alegre, ela daria um sorriso esperando um doce enquanto eu
estenderia em vão uma passagem para Grécia. Como estamos preocupados demais com nossa própria razão nem sempre o que
dizemos fica claro para o outro. Eu frequentemente reclamava que minha ex
precisava de aulas de interpretação de texto, mas hoje vejo que simplesmente
preocupava-me com a mensagem e não com o processo de comunicação. A angústia
vem quando um fala, o outro não entende e cria uma interpretação nova. O que
piora a relação em vez de encontrar o ponto comum.
Quando adolescente,
dos 14 aos 18 anos, enfrentei uma fase turbulenta com a minha mãe. Ela via um
fio dental fora do lugar, meu quarto bagunçado ou um gasto abusivo no cartão de
crédito e dava-me uma bronca descomunal. Merecidamente, ou não, ouvia da minha
mãe que eu contribuía para a morte dela, que eu não poderia chorar no enterro
porque eu era o responsável por sugar toda a felicidade de sua vida. Sentia-me
um dementador perto do Harry Potter. Ela continuava as broncas dizendo que eu
era um crápula, e seus ataques eram sempre intensos, profundos e embasados no
meu maior medo: a morte. Aquilo aterrorizava-me.
Desenvolvi como
mecanismo de defesa, para não surtar, uma técnica simples. "Tape os
ouvidos para os problemas e sorria." Parti para o Hakuna Matata. Essa
tática permitiu-me não mais sofrer, mas me ensurdeceu para o mundo. Não queria
mais ver se o reino estivesse desabando ao meu redor. Qualquer pessoa que me
procurasse com um problema, eu sorria e ia direto à minha solução. Perdi com
isso namorada, amigos, e todas pessoas que concluíram que eu era de fato um homem
egoísta por pensar assim.
Não fomos educados a
fazer um contato rico de comunicação. Geralmente queremos trazer o outro para o
nosso mundo. Controlar a situação. Ficamos estagnados por não conseguir fazer
uma troca. Ficamos armados e buscamos proteger nossas ideias. Quanto mais
falamos, começamos a pensar que maior domínio temos do tema. Isso é um
equívoco. Pois da mesma forma que o corpo rejeita comida, rejeitamos informação
que não pertence ao nosso universo. O outro não aceitando a parte que não vê
sintonia reage a essa diferença. Informação não resolvida, mal digerida,
incomoda, ela não vai para um arquivo morto. O assunto, repercute e volta. Vira
uma neurose sem fim, até a hora que não aguentamos mais e cortamos relações .
Essa é nossa surdez
funcional, podemos ouvir palavra por palavra, mas enquanto não entendermos que
a comunicação deve se preocupar mais com o processo que com o conteúdo
continuaremos sem entender o sentido das coisas. O maior erro da comunicação é
repetir conteúdos e jeitos. Sendo assim quando a pessoa tem o mesmo script para
tudo, ela nunca vai se conectar de fato com ninguém.
Felipe Castilho
21/05/2014
"O saber é um processo e não um produto." Jerome Bruner