11 de jun. de 2014

Somos todos surdos funcionais


            Eu tenho dificuldades em ouvir, e passei um ano me relacionando com uma mulher que fala pouco. Nesses moldes tinha tudo para terminar, só não era claro para mim, que não sei ler os sinais do mundo real ao meu redor. Mas e você, se dedica a decifrar os conflitos ao seu redor? Sabe o que motiva, quais são os medos, e de que forma foram criados os sonhos das pessoas que mais ama?  Sabe seus traços e costumes que mais incomodam? Compreende o seu papel na vida delas? O que elas esperam receber de você?
            Esses 'acordos' geralmente não são verbais, cada um imagina algo baseado na sua história. Não sei a resposta de algumas dessas perguntas para as pessoas que mais me relaciono. Hoje decepcionei-me com essa reflexão. Mas isso tudo começa quando ainda somos pequenos.
            Quando um bebê chora a mãe não sabe se é fome, frio ou fralda borrada. Ao aprender a falar pedimos comida, conforto ou higiene. O simples fato de dizer o que se quer torna a vida melhor. Na infância também somos apaixonados e curiosos ao perguntar "por que", queremos entender o motivo. A criança chega com os conflitos, e se não prestarmos atenção, não conseguimos argumentar de forma a dar sentido a informação passada para elas. O primeiro passo na conversa eficaz é fazer sentido para o outro. Com o passar do tempo percebemos que nem sempre é simples assim. São tantos "porquês" não respondidos na nossa jornada que perdemos boa parte da curiosidade.
            A linguagem tem outro problema, não passa ao mundo a informação precisa, seca e objetiva. Por exemplo: alegria para minha vizinha é comer chocolate, para mim é viajar. Se a convidasse para ser alegre, ela daria um sorriso esperando um doce enquanto eu estenderia em vão uma passagem para Grécia. Como estamos preocupados demais com nossa própria razão nem sempre o que dizemos fica claro para o outro. Eu frequentemente reclamava que minha ex precisava de aulas de interpretação de texto, mas hoje vejo que simplesmente preocupava-me com a mensagem e não com o processo de comunicação. A angústia vem quando um fala, o outro não entende e cria uma interpretação nova. O que piora a relação em vez de  encontrar o ponto comum.
            Quando adolescente, dos 14 aos 18 anos, enfrentei uma fase turbulenta com a minha mãe. Ela via um fio dental fora do lugar, meu quarto bagunçado ou um gasto abusivo no cartão de crédito e dava-me uma bronca descomunal. Merecidamente, ou não, ouvia da minha mãe que eu contribuía para a morte dela, que eu não poderia chorar no enterro porque eu era o responsável por sugar toda a felicidade de sua vida. Sentia-me um dementador perto do Harry Potter. Ela continuava as broncas dizendo que eu era um crápula, e seus ataques eram sempre intensos, profundos e embasados no meu maior medo: a morte. Aquilo aterrorizava-me.
            Desenvolvi como mecanismo de defesa, para não surtar, uma técnica simples. "Tape os ouvidos para os problemas e sorria." Parti para o Hakuna Matata. Essa tática permitiu-me não mais sofrer, mas me ensurdeceu para o mundo. Não queria mais ver se o reino estivesse desabando ao meu redor. Qualquer pessoa que me procurasse com um problema, eu sorria e ia direto à minha solução. Perdi com isso namorada, amigos, e todas pessoas que concluíram que eu era de fato um homem egoísta por pensar assim.
            Não fomos educados a fazer um contato rico de comunicação. Geralmente queremos trazer o outro para o nosso mundo. Controlar a situação. Ficamos estagnados por não conseguir fazer uma troca. Ficamos armados e buscamos proteger nossas ideias. Quanto mais falamos, começamos a pensar que maior domínio temos do tema. Isso é um equívoco. Pois da mesma forma que o corpo rejeita comida, rejeitamos informação que não pertence ao nosso universo. O outro não aceitando a parte que não vê sintonia reage a essa diferença. Informação não resolvida, mal digerida, incomoda, ela não vai para um arquivo morto. O assunto, repercute e volta. Vira uma neurose sem fim, até a hora que não aguentamos mais e cortamos relações .
            Essa é nossa surdez funcional, podemos ouvir palavra por palavra, mas enquanto não entendermos que a comunicação deve se preocupar mais com o processo que com o conteúdo continuaremos sem entender o sentido das coisas. O maior erro da comunicação é repetir conteúdos e jeitos. Sendo assim quando a pessoa tem o mesmo script para tudo, ela nunca vai se conectar de fato com ninguém.


Felipe Castilho
21/05/2014

"O saber é um processo e não um produto." Jerome Bruner


10 de jul. de 2013

A casa na árvore, o besouro e o Tahiti


Desde pequeno sempre quis ter uma casa na árvore
Escalava a goiabeira da chácara da minha tia-avó (Filomena)
Subia nos pés de manga da minha madrinha (Mirtes)
Mas no meu sítio, meu pai de sangue (Jorge) me prometeu uma verdadeira casa na árvore
Hoje tenho 26 anos e tudo que sei sobre casas é que elas não dão em árvores.

Filó perdeu seu marido general antes que eu nasci,
Queria ter conhecido ele, dizem que foi um grande homem
Vivi a sombra dos males que meu pai causou a minha mãe (Marta),
Tomei meu primeiro porre num bar com meses de vida
Aparentemente a caipirinha na chupeta me fez parar de chorar... né pai?
Meu tio (Dado), marido exemplar da minha tia (Lili) e pai de dois filhos é o homem que admiro
Me levava para praticar esportes, gira-gira, gangorra, brincar... é ele fazia o papel de paizão.

Meu padrasto (Marcos) em suas muitas qualidades deve ter se intimidado com minha presença.
Quando nos conhecemos pela primeira vez, com 1 ano de idade, retrucando seus paparicos lhe disse:
-Fala grosso seu enormão...
Hahaha, acho que desde então ele soube que eu era destinado a grandes coisas.
Tendo o otimismo, e os grandes desejos em comum, roubei-lhe o sonho.
Uma Mercedes conversível e um barco catamarã, são os únicos bens materiais que dou um certo valor.
Não por seu preço, mas por sua história.

Mac sempre me disse que queria viajar o mundo ao mar,
Não saber ao certo o destino,
Caribe, Fernando de Noronha, Madagascar...
onde os ventos levassem ele iria com prazer se minha mãe estivesse junto.

De mim ele esperava visitas breves,
Administraria o “book” das meninas ele brincava
Traria comigo a bordo cada vez uma mulher incrível diferente.
Ai ai ai... nerd por veia...
Dessa história toda só não absorvi o diferente.
Quero encontrar o prazer da variedade em uma só dama.

Desde pequeno, criado por mulheres, fui ensinado a ser distinto.
Ouvir suas preces, seus desejos,
Afugentar os males e compreender o que querem para si mesmas
Em um altruísmo impecável entregar o que o universo guarda de melhor
Se for para perder a mulher que amo, que seja para o bem dela.

Mas ai vem a historia do besouro...
No meu sítio eu cuidava do Baltazar.
Apelidei assim o escaravelho que encontrava nos finais de semana quando visitava meu pai
Quando eu tinha meras 5 primaveras de idade
Sempre que ia ao sitio só encontrava um besouro, e durante anos pra mim ele era único.
Baltazar e a minha veia poética são o que tenho comum com Jorge.
Assombrado por não ter uma casa na árvore,
mas alegre por saber usar palavras como um escritor
Sou feliz por ter o sangue de Jorge Reis, antigo editor da Saraiva, intelectual, mergulhador e criativo.

Minha loja de brinquedo favorita era a livraria Siciliano...
Coincidentemente ou não, concorrente da Saraiva.
Juntava moedas pra comprar livros (minha mãe completava escondido o valor).
O sentimento de ser autossuficiente sempre me alegrou.

A escalada antigamente em árvores hoje é no ginásio ”Casa de pedra” em perdizes.
O antigo besouro é meu pé atrás, meu defeito, meu vínculo, minha memória, os meus deslizes, quem sabe...

Chega de papo de família, de bagagem ancestral, sou um menininho pensante e desejo em carne viva.

Anseio que o Caribe vire Tahiti porque os sonhos sonhados são bons, mas podem ser melhorados com oque sabemos, sentimos e ainda somos verdes para mudar.
Hoje me rege um ímpeto literal teátrico no meu gene incomum
aquele que hora está descalço, hora de Havaianas mas nunca de sapatos amarrados.

Príncipe.
Náufrago.
Música.
Céu.
Bêbado.
Pássaro.
Morreu na contramão atrapalhando...


Felipe Castilho
08/07/2013


6 de mar. de 2013

Camisas, etanol e nostalgia


Estou parado no tempo
Cada menina que não me instiga é uma conquista singela.
É como se apertasse o botão de soneca
esperando alguém que me acorde.

O duro é acordar assustado, atrasado e com pressa.
Sempre dá errado fazer tudo estabanado.
Comer a entrada, o prato principal e a sobremesa de uma só vez.
Então iremos com calma.

Eu me gabo pelas sobremesas...
Sem parar e pensar se já convidei para receber o couvert.
Cruzo muitas linhas de chegada sem curtir o aquecimento.
Não é ejaculação precoce, é pular etapas.
Ir direto pro amor.

Um relacionamento duradouro precisa de três coisas básicas.
1. confiança
2. respeito
3. amor
Sim, nessa ordem.

A confiança vem da familiaridade com o outro.
É a convicção adquirida nos valores de alguém.
Ficar íntimo do bom caráter de outra pessoa pode levar tempo
Mas vale totalmente a pena fixar essa base sólida, pois
a falta de confiança leva ao ciúme doentio.

O respeito vem do sentimento que nos impede
de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém.
Vem do latim "olhar com atenção".
Creio que conhecer os limites e sua liberdade
é também o exercício da tolerância, pois
a falta de respeito leva a todo tipo de agressão.

Essa é também a hora de mostrar seu verdadeiro eu,
suas fraquezas e medos.
Não venda gato por lebre.

Quem pula direto pro amor ou sexo
perde a construção da confiança e do respeito.
O sexo deve selar um acordo, algo que já deu certo.
É para abrir portas para algo melhor.
Não é uma simples meta para responder "sim" se seus amigos perguntarem "comeu?"

Viver é amar alguém, aprender em “com-junto”.
Chega desse sentimentalismo de amar ao mundo.
Pegar todas é enrolar o relógio,
empurrar o destino com a barriga,
fingir que é feliz e ter a crise da meia idade antes dos 30.
No final de meus dias só vou lembrar daquelas que me fizeram transcender.

Ser príncipe da noite é como usar truque no vídeo game.
Vem fácil e vai fácil, não tem valor suado.

Estou com saudade de ir ansioso ao encontro de alguém,
Esperar a menina aparecer com frio na barriga e cara de bobo.
Ter mil e uma coisas na cabeça pra falar
Mas só ter vontade de ouvir cada palavra.

Sou o cara das festas que no meu Facebook vocês veem
E sou o nerd absorto em estudo, livros e poesia
É esquisito ser dois em um,
Não quero estar na estante como promoção.
Sou um artigo estranho.
Nem de luxo, nem do sebo.
Mas desses que vende em outlet por ter algo de torto.

Cada vez mais aumenta o meu medo da morte
Mas pensando bem
O meu medo verdadeiro é não viver

E viver não é ficar
Sinônimo de viver é amar

Felipe Castilho,  05/03/2013

18 de out. de 2012

-Você diz isso para todas.

Você pode estar lendo isso em casa, sentada numa cadeira ou parada na minha frente neste exato momento com esse pensamento na cabeça "ele diz isso para todas".

A verdade é que você esta completamente enganada. É você que acabou de dizer mais um grande clichê que já entrou e saiu pelo meu ouvido dezenas de vezes. Não serão vocês mulheres que dizem isso para todos? Bom, pelo menos para todos os caras que sabem conversar, reparar em detalhes, elogiar com honestidade e dizer verdades que intimidam. 

Geralmente quando escuto essa frase "você diz isso para todas" é porque acabei de abrir um pouco o meu coração, você deve ter reparado, um momento mais sincero. E não era a hora de ouvir algo assim.

Meu jeito boêmio, meu sorriso farto, minhas noitadas bem acompanhado só fazem de mim um bon vivant e não um mentiroso. Sou fiel as palavras pois se eu for sempre assim elas também serão fiéis a mim. Sou escritor e prezo por cada frase, cada silaba e passo longe de ser um mero ilusionista. 

Eu concordo que é muito mais fácil se sentir mais uma qualquer, e deixar a oportunidade passar do que correr o risco de ter alguém realmente disposto a estar com você.

 O meu conselho pra você é: leia as entrelinhas. É provável que meus olhos estejam brilhando ao lhe dizer isso.

Mas não, você não é a primeira mulher a fazê-los brilhar, só te peço que faça valer a pena.

Felipe Castilho

17/10/2012

2 de mar. de 2012

É facil amar o outro numa mesa de bar...

Pela segunda vez vou postar aqui no blog um texto que não é meu, mas que eu diria 100% das palavras, usaria essas palavras como se fossem minhas pra dividir a beleza com o mundo. A contribuição sem tamanho é da Carla Labate, incrível em todos os sentidos. Ai vai:

É facil amar o outro numa mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto e o chopp é gelado.
É facil amar nas férias de verão, viajando, seja de frente pro mar ou debaixo da neve.
É fácil amar no churrasco de domingo, nas festas agendadas, na vida a dois agitada ou até mesmo quando se vê de vez em quando.
Dificil é amar quando o outro desaba, quando não entende mais nada e vê tudo errado. Paralisa, perde o charme, a identidade, o rebolado e a coerência.
Mas tenha calma! Se você realmente acreditar, tudo volta ao normal! Ah se volta...
Pois é nessas horas é que se vê o verdadeiro amor, aquele que é companheiro, que quer o seu bem acima de qualquer coisa e que mesmo quando não esta tão bom assim, fica bom só pelo fato de estar com você.
É esse amor que dura para sempre, na verdade esse é o unico que pode ser chamado de amor.
Que supera e vive junto até mesmo os momentos não tão fáceis, e não baseia o relacionamento nas oportunidades de sair fora da rotina do dia-a-dia. Entenda uma coisa: nem sempre dá pra fugir da rotina! O segredo é saber lidar e valorizar as pequenas coisas do cotidiano, para que estas se tornem "grandes momentos".
E de repente, você já está sorrindo novamente, com a respiração e o olhar calmos de quem ama e sabe o que é ser amado.
Aliás, ninguém quer momentos difíceis, mas confio sempre estar ao lado da pessoa certa para enfrentá-los.

Carla Labate, março de 2012