26 de abr. de 2008

Transforme o Caos em Eros.

Eu comecei o blog pensando em amigas íntimas e amigos poetas, porém uma amiga sentiu que a intimidade viria com o tempo, ou acho eu que precisava ser mais explícita. Pensei muito nisso, pois pra mim um grande amigo, e um grande amor são coisas íntimas. Outra amiga me disse que queria um texto com enredo. Juntando intimidade, com enredo, não pude pensar em nada mais meu, do que o momento em que me deparei com minha própria morte, e como tive que agir para vencê-la, nem que seja temporariamente....

"Os fracos tem problemas, os fortes tem soluções".


Hoje deixo bem claro aqui, que para viver não basta deixar a vida fazer o papel dela, você precisa lutar...


Salva-Vidas

Naquele dia eu acordei em Ubatuba, o cheiro da manhã estava salgado, o lanchinho matinal tinha sido muito bom... Inspiração para um dia perfeito não me faltava. Mas a correria do dia só viria a ocorrer na Praia Vermelha do Norte algum tempo depois. Chegamos à praia; minha mãe e uns parentes se instalaram num quiosque caravano e eu fui surfar. Eu estava a muito tempo sem surfar, e depois de algumas “vacas” percebi que o mar não estava tão propício aos meus conhecimentos. Fui para areia tomar um Guaraná e fazer um social, enquanto assistia Cacá (a minha irmã), com sua prima Giuliana e seu primo Luiggi brincarem no raso. Todos com idade entre onze e treze anos. O menino estava com uma prancha de Bodyboard. Lá como é praia de tombo você dá dois passos e já está no fundo então não estava fácil para eles.

Foi ai que resolvi pegar jacaré perto deles e deixei a prancha de surf na areia. Ondas vão, ondas vem, numa delas um pouco maior que as de comum a Giu pegou jacaré e saiu da água e minha irmã e o menino vieram pra perto de mim. Eu subitamente peguei minha irmã e a coloquei em cima da prancha do moleque enquanto ela falava - “Fê to com medo!”. Veio outra onda cavernosa e caploft quebro na nossa cabeça. Quando sai da onda olhei para os lados e não enxerguei nem minha irmã, nem o menino, nem a prancha dele. Desesperado chamei pela minha irmã, e mais uma vez, uma onda passou rasgando por cima de minha cabeça e eu mergulhei, quando voltei a tona olhei para o lado direito e vi a nuca do Luiggi e o chamei, ele viu que eu procurava pela minha irmã e apontou para areia onde ela lá estava com a prancha em terra firme. Um alivio enorme me rasgou o peito, mais antes que eu pudesse comemorar, outra onda que nos carregava cada vez mais para o fundo me levou a um novo mergulho.

Eu falei pra mim mesmo em voz alta e para o Lu, que era para nadarmos em direção a areia, em sentido diagonal para não ir contra a maré, que estava muito forte. Haha, mais pouco adiantava, comecei a nadar em direção aos surfistas, mas eu já estava um pouco exausto mesmo assim lutando para que o mar não me desse um abraço eterno. Quando avistei um surfista as palavras já escorregaram da minha boca - “Socorre aqui” eu nadei até ele e descansei na prancha dele. Com fôlego renovado e já fora da arrebentação fiquei lá um pouco e o surfista levou o Luiggi até a areia e depois fui nadando e pegando jacaré até chegar lá também.

Meu pai já estava na areia com o irmão dele contando que já tinha até imaginado os caixõezinhos. Eu fechava o olho, e lembrava do som da voz do Lu na minha cabeça falando que não íamos conseguir. Eu acho que saímos dessa porque em vez de pensar que não íamos conseguir, eu pensei em como íamos conseguir sair dali.

Mas como todo dia difícil tem sempre uma graça, eu não podia sair da praia com aquela bermuda molhada, então peguei a chave do carro com minha mãe, fui até o carro e abri o porta-malas. Tirei a bermuda, botei outra e fechei o porta-malas. Na hora de ir embora eu enfiei a mão no bolso pra pegar a chave do carro mas eu tinha esquecido a chave no bolso da outra bermuda... Foi a hora exata pra eu e meu pai brincar de Magaiver e tentar abrir a porta do carro passando um arame com um barbante pra dentro do carro pela borracha que fica envolta da porta. Não deu certo porque não tinha espaço e o barbante ficava enroscando e não corria. Ligamos pro chaveiro e minha mãe mandou eu esperar ele no acostamento da estrada. Alguns até foram contra alegando que eu estaria com "muita" sorte e um caminhão desgovernado poderia passar em cima de mim, mas mesmo assim fui lá esperar o chaveiro.

Deu tudo certo, o mané abriu a porta do carro usando o mesmo truque que o meu, mas ele tinha uma bombinha de ar que ele apertava, e dava espaço para o barbante correr.

O dia depois disso perdeu a graça e o acontecido virou boato entre o pessoal da vizinhança. Os dias vão, os dias vêm e acordo feliz, com um cheirinho doce a manhã de um novo dia me enchia de fôlego.

Dia ensolarado ótimo pra pegar uma praia e surfar um pouco. Fomos eu e meu amigo surfar, enquanto, ali mesmo na Praia Grande, minha mãe ficava num quiosque a beira mar com o resto da "parentada". Eu e o Daniel estávamos onde as ondas boas estavam começando a quebrar, bem fundo. Peguei uma onda e o Daniel também, ficamos um tempo lá curtindo; quando eu avisto lá a uns trinta metros em direção a mar aberto uma cabecinha. Eu logo pensei; deve ser um mergulhador, deve estar com pé-de-pato e tudo mais e segui em uma boa onda.

Quando voltei pra lá, onde estavam as grandes ondas, vi que “ a cabecinha” já estava nadando em minha direção e estava falando algo. Comecei a nadar velozmente para lá, e meu amigo perguntou aonde eu ia, eu disse apenas para ele esperar, faltava uns vinte metros pra eu chegar no cara e meu coração palpitava, mas era meu dia, o vento estava a meu favor. Cheguei no senhor que devia ter uns sessenta anos, o segurei firme pelo punho e coloquei ele em cima da minha prancha. Ele apagou, fechou os olhos, estava muito pálido, eu pensei que ele tinha desmaiado mas ele resmungou um - ‘Me segura” e um “por favor não me solta”. Eu fui nadando puxando ele, e ele um pouco atordoado, quando chegou onde dava pé, a água batia na altura do meu peito mais ele insistiu - “Me segura” , “Por favor não me solta” , eu passando segurança a ele segurei ainda mais firme seu pulso e o levei mais raso e vi que meu amigo estava me acompanhando caso eu precisasse de algo. Quando a água já estava na minha canela, ele se levantou, e me agradeceu. Aquelas palavras encheram minha cabeça e me fizeram sentir uma gratidão por eu estar no lugar certo na hora certa, e ligado pois ninguém tinha visto ele, nem mesmo meu amigo. Ele ia morrer ali e nem o salva-vidas, nem aquele apitinho chato dele, iam ter se molhado.

Depois disso voltei pra minha posição no mar esperando as ondas, olho pro lado e vi um outro amigo meu, de São Paulo que eu nunca ia imaginar encontrar ali do meu lado esperando onda. Cumprimentei-o e ficamos lá surfando um tempo, depois eu fui tomar um açaí com o Daniel onde minha mãe estava e contei pra todos que pelo menos essa dívida eu já tinha pago com Deus.

Por coincidência, eu estava com minha toalha vermelha, que tem escrito no meio dela com letras grandes e pretas: SALVA-VIDAS.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ubatuba sempre se torna um cenário perfeito para histórias inesqueciveis...